OBSERVAÇÃO IMPORTANTÍSSIMA: Se você está atrás de uma resenha, clique aqui e aqui e aqui. O seguinte post traz críticas à EDIÇÃO do livro no Brasil. 🙂
Então, gente, como já disse antes A Song of Ice and Fire (ou Crônicas de Gelo e Fogo, na tradução), vai sair no Brasil. E mais do que isso, A Guerra de Tronos (tradução não-literal de A Game of Thrones) vai sair no Brasil agora no comecinho de setembro!
A capa da edição brasileira é simplesmente linda!
Só que… bom, agora vem a parte chata, nem tudo são flores.
O Omelete divulgou um dia desses com exclusividade os três primeiros capítulos da série em português (cliquem no link para conferir) e fui tocada por espanto e decepção.
Primeiramente, eu não queria escrever esse post. Ainda tenho a esperança de ter sido tudo um engano, de que quando eu pegar o livro e folhear, o problema tenha sido sanado… Mas sinceramente, qual a chance disso acontecer?
Segundo: meu pai tem um conceito bem interessante, o de lambança. Para ele, uma lambança é uma atividade que não é mais do que obrigação daquele que oferece o serviço e que poderia ser perfeitamente executada sem maiores dificuldades ou custos, mas não é ou por preguiça, ou por má vontade, ou por falta de comprometimento.
E a única palavra que eu tenho para descrever a tradução da LeYa é essa: lambança.
A base da tradução foi aquela realizada por Jorge Candeias para a editora portuguesa Saída de Emergência, que publicou a obra lá do outro lado do Atlântico. A tradução per se é excelente – é quase uma transposição do inglês para o português, fora que os nomes e amálgamas de difícil tradução foram enfrentados e vencidos. Eu poderia fazer uma crítica ou outra, mas só de detalhes bobos ou pontuais que não alteram em nada a compreensão da obra e a qualidade do trabalho.
E uma tradução excelente para o público luso, mas que não serve para o brasileiro. E é aí que entra a GRANDE lambança da LeYa.
Acordos ortográficos à parte, não tem como reduzir a língua falada no Brasil e em Portugal a um denominador comum. Já li bastante livros técnicos em português – a linguagem crua e formal, neste caso, não altera em nada a compreensão do texto. Mas quando entramos no contexto de narrativa e principalmente no de linguagem informal, as coisas começam a complicar. Já cansei de esbarrar com portugueses em redes sociais, que se esforçavam para “abrasileirar” o vocabulário e expressões para serem melhor compreendidos, assim como de precisar de um pouco de esforço para compreender textos informais vindos do outro lado do oceano.
E é por isso que uma obra ficcional fluida pode ter uma única tradução portuguesa, mas deverá ser adaptada para seu português específico.
E isso foi o que a LeYa NÃO fez.
A adaptação, no caso, foi passar as frases da segunda pessoa para a terceira, alterar os acentos de algumas palavras (“crónicas” para “crônicas”, por exemplo) e a grafia de outras (papoilas para papoulas) e está feito. Nada que um dia de trabalho usando o substituidor do Word não fizesse. Por que não fazer a adaptação integral do texto? O resultado é um texto que ainda está em português lusitano – e, consequentemente, que traz um formalismo totalmente alienígena à obra original.
(e isso porque nem mencionei pérolas como a “Ilha das Caras” (custa trocar por “Ilha das Faces” e evitar qualquer semelhança com a Ilha de Caras?) ou “o inverno está a chegar” (não está gramaticalmente errado, mas isso não é português brasileiro))
“Ah, mas isso é um problema tão grave assim?”. É sim.
O texto original é muito fluido e dinâmico. É mais formal do que o Gaiman (claro, gírias num romance pseudo-medieval estariam totalmente fora de lugar) e o vocabulário e escolha lexical são mais ricos do que a maioria dos romances young adult que dei uma passada de olhos – mas as palavras e expressões são simples e objetivas, ao contrário do Gleen Cook, por exemplo. O Martin não tenta emular uma “escrita antiga” (apesar de inserir palavras inusuais que dão a impressão de “passado”, mas não construções frasais inteiras que tentam soar a inglês arcaico), que é o que soa lendo o texto da maneira que está, mas sim contemporânea (na medida do possível para não descaracterizar, até tinha uma discussão num fórum gringo pelo fato dele utilizar a palavra “pants” e não “trousers”, que traria uma formalidade maior). E com essa tradução sem adaptação, isso se perdeu.
A falta de adaptação matou o espírito dinâmico da obra. Se o texto tivesse sido concebido como formal e para soar como inglês arcaico, tudo bem, mas não foi.
E isso é lambança, não tem outro nome. Os custos operacionais seriam tão grandes assim para o texto não ter sido adaptado? Creio que não, ainda mais sabendo que o lucro num mercado em ascensão e onde obras de fantasia começam a figurar na lista dos mais vendidos. Custava ter carinho e cuidado mínimos com o público consumidor e com a obra a ser traduzida/adaptada, ou qualquer coisa vende com o marketing adequado e que se dane a qualidade?
Estava muito empolgada com o lançamento. Empolgada mesmo. É uma das minhas sagas literárias prediletas, é um livro que acho que deve ser lido por qualquer um que deseja conhecer o que se produz de fantasia contemporânea, que queira estudar construção de mundo, personagens e história – e é uma diversão e tanto. É um livro que já cansei de recomendar aqui no blog, nas redes sociais internet afora e no boca-a-boca para meus amigos e familiares. Vi a capa, achei maravilhosa, fiquei feliz em saber que teria esse lindo livrinho em minha estante… Mas vi os primeiros capítulos no omelete e toda a expectativa se converteu em decepção.
“Nossa, Carol, mas o que você tem com isso?”. Livros preferidos para mim são como amigos queridos – e quem gosta de ver um amigo querido maltratado? Quem recomendaria um livro que teve sua característica original modificada para os amigos, sabendo que eles não terão a mesma experiência de leitura que você teve? E como ficar quieta quando trabalho com conscientização de consumidores nas horas vagas?
Leitores são consumidores e, como tal, merecem todo o respeito dos autores, editoras e livrarias e eu não me senti respeitada como consumidora neste caso. Eu iria comprar um exemplar para mim ^^ e vários outros para presentear amigos e familiares. Agora? Não sei mais.
E para você, leitor do meu blog, fica o recado: o livro vai sair em português, o preço tá bom, a capa tá bonita, ainda é um must read. Mas se você sabe ler em inglês ou espanhol, o preço do pocket importado não é caro (tá aproximadamente 20 reais na Cultura – e além de lá, você acha em qualquer livraria grande, como a Leitura ou a Saraiva) e você pode ler no original ou em uma tradução próxima do clima que o autor quis passar.
E com isso também, quero que a LeYa, quem sabe, tenha um pouco mais de consideração com seus leitores e com a tradução de A Clash of Kings, que deve sair lá pelo ano que vem. Será que dessa vez rola texto em português brasileiro?
***
EDIT DE 25/08: AQUI vai uma palavrinha de Jorge Candeias, o tradutor da série, sobre o assunto discutido no blog.
EDIT DE 26/08: A Leya se pronunciou pelo twitter sobre a polêmcia. Veja AQUI, no blog da Lidiany, o Game of Thrones BR.
EDIT DE 13/10: O leitor Jorge Rodrigues enviou uma mensagem ao departamento de marketing da Leya relatando o caso e recebeu a seguinte resposta:
Resposta do sr. Leo Dias do departamento de Marketing da editora Leya:
“Só para esclarecimento utilizamos a versão portuguesa por ter sido muito elogiada. Utilizamos o novo acordo ortográfico para fazer as adaptações tentado deixar o texto mais agradável possível para a leitura. Estamos tomando mais cuidado com o próximo livro que lançaremos ano que vem. Estou recebendo diversos e-mails como o seu e como em todos peço que se puder fazer a gentileza de nos apontar os “erros” ajudaria-nos a corrigi-los.”
Bom, acho que esse post é meio sobre isso, né?
O problema não é a qualidade da tradução. Ela é realmente ótima. É a inadequação ao local. E o mais importante, que é o que eu queria desde o começo com esse post, são duas coisas: 1) mostrar que nós, como consumidores, não aceitamos qualquer coisa – que editora não faz favor em traduzir livro, mas vende um produto; e 2) depois dessa conscientização, exigir que façam um trabalho melhor no próximo livro.
Além disso, “acordo ortográfico” não altera vocabulário. No Brasil meninos continuam sendo meninos, em Portugal rapazes continuam sendo rapazes. No Brasil o inverno está chegando, em Portugal o inverno está a chegar. E isso acordo ortográfico algum vai ser capaz de mudar – língua é construção e história, não canetada.
Fora que é muito fácil para a Leya jogar a batata quente para o tradutor. A versão portuguesa foi muito elogiada porque é boa mesmo, mas pela milésima vez, o problema não é esse, é a falta de adequação/identificação com o português brasileiro.
É isso.
Até a próxima, com um texto menos irado, espero!
Geralmente não peço para divulgarem os posts, mas deem uma forcinha de passar o link desse para seus contatos!
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