Todos nós somos um pouco saudosistas, alguns mais, outros menos. É comum ouvirmos coisas como “no meu tempo as coisas eram melhores”, “no meu tempo tudo era diferente” e outras variantes. A nostalgia é parte de nós, ainda mais quando estamos diante de tempos difíceis e precisamos recorrer a lembranças de quando tudo era seguro e agradável.
O Steampunk, como gênero literário, também é uma espécie de releitura do saudosismo. O gênero é uma derivação do cyberpunk (aqui cabe um parêntesis para falar da ironia de falar do cyberpunk como uma projeção de um futuro que já chegou), que trata de como a humanidade estaria em um futuro próximo dominado pela alta tecnologia, principalmente a computacional, e onde as diferenças sociais se agravariam ainda mais pelo fortalecimento e ascensão das megacorporações e pelo crescimento de uma classe social posta à margem do progresso.
Já o steampunk parte da seguinte premissa: a tecnologia do vapor (“steam”, em inglês) surgiu no final do século XVIII-início do século XIX e foi determinante tanto para a industrialização (Revolução Industrial, baby) quanto, por via de consequência, da expansão do Império Britânico ocorrida no período vitoriano (chamado assim por ter coincidido com o longo reinado da Rainha Vitória). O século XIX também assistiu a ascensão do positivismo – e da aplicação mais rigorosa do método científico – e avanços científicos como o delineamento da evolução, por Darwin, e maiores conhecimentos sobre eletromagnetismo e química, que muito influenciaram as descobertas e teoremas elaborados posteriormente por Bohr, Curie, Einstein… Foi um século de luzes.
Então por que não pensar que em um caldo cultural tão propício ao desenvolvimento e à expansão, a tecnologia do vapor tivesse avançado mais do que realmente avançou e gerado tecnologias que só conhecemos depois, como a computação, a robótica, o motor à combustão ou os eletrodomésticos? Como seria o século XIX com o maior desenvolvimento do vapor – e também os séculos XX e XXI?
A obra que definiu o steampunk como gênero foi o livro The Difference Engine (“A Máquina Diferencial”), de William Gibson e Bruce Sterling (que são dois autores clássicos do cyberpunk), de 1990 (para quem quiser conferir, a editora Aleph anunciou a edição em português da obra para este ano ainda), apesar de haverem trabalhos anteriores sobre a era vitoriana especulativa (e nem estou falando de Júlio Verne, que era definitivamente um visionário ;))
Claro que o steampunk é um prato cheio para quem gosta de estética retrô. Engrenagens mil, muito cobre, muita especulação em engenharia (aqui vai uma galeriazinha com alguns exemplos de objetos steampunk). Inclusive, graças à sua estética, o movimento foi adotado em parte pelo gótico (que também parte da estética vitoriana). Afinal, quem não gosta de imaginar máquinas diferentes e diversas entre si? 😉
Mas engana-se quem limita o steampunk à especulação tecnológica. O elemento “punk” que veio de seu tronco principal – o cyberpunk – diz respeito, também e principalmente, à crítica social. O século XIX e o Império Britânico foram o berço da civilização e da inovação científica? Foram sim, mas também promoveram a exploração, matança e divisão da África, o que gera consequências gravíssimas até hoje, assim como um sistema de colonização opressivo no Oriente Médio e Ásia (e que também foi responsável por vários frutos colhidos ao longo do século XX…). Também foi a época da exploração dos operários pelos industriais, o que gerou movimentos de revolta e propiciou o início de várias lutas sociais e movimentos políticos. Não houve apenas luzes, mas uma boa dose de trevas…
Dois outros gêneros literários que muitas vezes aparecem entrelaçados ao steampunk são a história alternativa e a ficção alternativa. O primeiro diz respeito a um certo “e se…?”, mas levado a fatos históricos. E se Francisco Ferdinando não tivesse sido assassinado? E se Napoleão tivesse morrido durante a infância? Quais seriam as consequências para nossa realidade? Se nós supomos que a tecnologia a vapor ocorreu de forma diferente, então é natural que fatos históricos tenham acontecido de maneira diversa, deixando a especulação livre para o autor. Já a ficção alternativa usa o mesmo raciocínio para personagens ficcionais visitando outras realidades: imagine só Dorian Gray flertando com Emma Bovary, por exemplo, ou o Bentinho “Dom Casmurro” se consultando com o Alienista? A ideia é mais ou menos essa, tomar emprestado personagens e cenários e misturá-los – o melhor exemplo de ficção alternativa steampunk continua sendo o quadrinho A Liga Extarodinária, do Alan Moore (o filme não faz justiça à obra, mas também serve para dar uma noção de como funciona a ficção alternativa).
O steampunk é um prato cheio para imaginar como as coisas poderiam ter sido, mas não foram. Coloquem o saudosismo de fora e curtam o poder do vapor!
Claro que não é minha intenção falar do steampunk como um todo, mas só dar uma introduçãozinha. Algumas pessoas fazem/fizeram melhor do que eu, aí uma lista de links para quem quiser se aprofundar no assunto:
Portal Steampunk: a maior página, com várias informações, sobre o steampunk no Brasil. Bem interessante.
Cidade Phantastica: Blog bem legal do Romeu Martins, também sobre steampunk em geral
Papo de Artista Steampunk: Do podcast do multiartista e multitarefas Rod Reis, com participação especial minha e do pessoal do Papo na Estante. Vale colocar no iPod.
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Até a próxima!
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